8 de jun. de 2011

Uma palavra qualquer

Com as letras que se fazem esta palavra eu confio todo o meu esforço. Parto de um centro em mim que acolhe e que investiga; é um mar que de tão furioso e bravo descobre a areia da praia de uma forma tão agressiva que parece como se a arranca-se à força. E depois de um intervalo de espaço, o tempo relembra-se mais tardio e tudo o que se fez, tudo o que se disse volta a essas praias azuladas, profundas e perdidas mais além.


Fica-se com nada, fica-se com algo, e fica-se com uma história, com um passado, como um lugar desconhecido, com uma força solta pelos braços que de tão cansados cortam a respiração a cada abraço. E depois de um fogo ansioso as pessoas – indiferentes – recorrem às profundezas do submundo de tão negro, de tão escuro.


Mas porquê ao negro e ao escuro, quando há tanta luz, tanto branco? Não há resposta. As pessoas são sempre assim, contrárias a uma regra que não chega a um fim e que se constrói dos restos da nossa existência.


Com essas letras, com essa letras dessa palavra, coloca-se nos nossos corações as nossas maiores esperanças e recordações e vemos o mundo incrédulo somente por tê-lo feito, e quando mais desesperamos inverte-se a ordem de esse mundo e passa-se a acreditar.


Mas que mundo, mas que mundo. Que mundo cheio de pessoas, que mundo cheio de pessoas estranhas. Aquelas que passam pela rua, aquelas que nos acenam das suas casas, aquelas que passeiam no campo e ainda aquelas que não partilham nada.


Com as letras de que são feitas esta palavra eu já não vivo, porque depois de construída esta palavra, era melhor mantê-la esquecida. Esquece-se essa palavra e ninguém nunca a pronuncia, mas sente-se tanto cá dentro que de tanto mal quase ardia.


Essa palavra é saudade, essa palavra esquecida, essa palavra tripartida, remendada, destruída, cortada, esfolada, magoada conseguida: essa palavra tão intraduzível, essa palavra perdida.

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